A boca no centro das atenções

A relação entre a saúde da boca e o que acontece no restante do organismo. E vice-versa

Escovar os dentes, usar o fio dental e visitar o dentista a cada seis meses ajuda a evitar inflamações nas gengivas – problema que pode estar relacionado com outras doenças sistêmicas.

Placas dentárias podem aumentar em até 80% os riscos de uma morte prematura causada por câncer. O alerta, publicado no periódico British Medical Journal, faz parte de uma série de estudos que vêm movimentando a odontologia e a medicina. O avanço na tecnologia de detecção de doenças e um movimento realizado pela classe odontológica “para trazer a boca de volta ao corpo” – ou seja, estudar sua relação com o resto do organismo – alavancaram o número de estudos que relacionam as duas áreas. Como resultado, foi desvendada uma série de relações entre infecções que ocorrem na boca e problemas cardiovasculares, diabetes, obesidade, câncer, osteoporose, parto prematuro e nascimento de bebês abaixo do peso.

DOENÇA PERIODONTAL

A infecção crônica de origem bacteriana que atinge a gengiva e os tecidos dos dentes. A doença é causada pelo acúmulo de bactérias entre os dentes e a gengiva, e pode levar à perda dentária. Problema dentário mais comum em adultos, a periodontite é ainda uma das doenças inflamatórias crônicas mais comuns no mundo. Sua forma inicial, e mais comum, é a gengivite, caracterizada por uma inflamação leve das gengivas – que ficam avermelhadas, inchadas e chegam a sangrar. A evolução da doença pode levar anos, causando a perda de tecido de suporte do dente – como o ósseo -, o que acaba por ocasionar a perda de um ou mais dentes.

Prova científica Os dentistas vêm tentando provar cientificamente que o que acontece dentro da boca tem uma relação direta com o funcionamento de todo o organismo.

Foi apenas na década de 1970, quando o dentista americano Steven Offenbacher realizou pela primeira vez um teste clínico que ligava processos inflamatórios na boca com a ocorrência de parto prematuro, que a relação boca e corpo começou a ser levada a sério novamente. Dezenas de estudos conseguiram confirmar os achados de Offenbacher e encontraram ainda conexões dos males bucais com diabetes, doenças cardiovasculares, pulmonares, de próstata, osteoporose e câncer.

Quando começou suas investigações, Offenbacher pôde estabelecer apenas uma relação epidemiológica entre as inflamações na gengiva causadas por bactérias e parto prematuro. Hoje, no entanto, uma série de estudos conseguiu provar com mais precisão a relação entre essas duas condições. Em uma pesquisa publicada em 2007 no Journal of Periodontology, o especialista mostrou que quanto mais cedo se der a exposição às bactérias, maiores serão os riscos do parto prematuro.

Efeito cascata – As infecções bucais podem causar prejuízos aos demais órgãos por dois processos inflamatórios diferentes. No primeiro e mais simples, as bactérias alojadas na gengiva se deslocam pelo organismo e se instalam em determinados órgãos, prejudicando seu funcionamento. Nesse caso está o mais conhecido dos problemas, e o único que é, de fato, causado diretamente pela inflamação na boca: a endocardite bacteriana. “A bactéria da gengiva viaja pela corrente sanguínea até as veias coronárias (que levam sangue ao coração) e se alojam ali, infeccionando a membrana da válvula”, diz Rodrigo Bueno de Moraes, periodontista e consultor da Associação Brasileira de Odontologia (ABO). Em abril deste ano, a Academia Americana do Coração (AHA, sigla em inglês) publicou um artigo no periódico médico Circulation confirmando que existe, de fato, uma associação entre a doença periodontal e a arteriosclerose (endurecimento das artérias). Apesar da relação, não é necessário que pessoas com boa saúde procurem um cardiologista a cada inflamação na gengiva.

Há uma segunda maneira pela qual as doenças bacterianas que ocorrem na boca repercutem em outras partes do corpo. Enquanto luta para exterminar as bactérias invasoras que tiveram origem na boca, o sistema imunológico libera diversas substâncias no organismo. Isso causa um desequilíbrio químico, elevando os níveis de substâncias que interferem no funcionamento de órgãos, do metabolismo e de sistemas inteiros do corpo. É o caso, por exemplo, do diabetes. O processo inflamatório na gengiva não causa a doença, mas ajuda a desequilibrar o balanço químico do organismo, dificultando, assim, o controle dos níveis de glicose. Mas a relação entre as condições é uma via de mão dupla. O diabetes, por si só, pode piorar quadros de inflamação gengival.

Em pesquisa publicada no periódico The Journal of the American Dental Association (JADA), o pesquisador IB Lamster descobriu que conforme o índice glicêmico de pacientes com diabetes perdia o controle, os efeitos colaterais da doença nas inflamações da gengiva ficavam mais sérias. Esse mesmo desequilíbrio químico pode estar relacionado ainda com problemas como câncer, parto prematuro e nascimento de bebês abaixo do peso, artrite reumatoide e obesidade. Prestar atenção ao que acontece na boca, está provado, pode ser não só uma boa maneira de evitar doenças, mas também detectá-las.

Fuja das bactérias

Dados epidemiológicos estimam que 90% da população mundial têm gengivite e que 30% têm doença periodontal. Para manter a boca livre das bactérias é preciso escovar os dentes e usar o fio dental, no mínimo, duas vezes por dia. É recomendado como procedimento protocolar, que se faça visitas semestrais ao dentista, com realização de exames de sonda (análise da gengiva) e de raio-X (análise dos ossos do maxilar).

Sinal de alerta

Mesmo quem mantém uma disciplina exemplar de limpeza dentária corre o risco de deixar algum resto de alimento nos dentes possibilitando o acúmulo de bactérias. É difícil conseguir deixar a boca completamente limpa – por isso, a importância da visita regular ao dentista. Sangramentos durante a escovação ou o uso do fio dental são indícios de uma possível inflamação – e não de uma limpeza feita de maneira errada.

Fonte: https://veja.abril.com.br/saude/a-boca-no-centro-das-atencoes/

Por Aretha Yarak – 17 jun 2012, 14h08